quarta-feira, 9 de novembro de 2016

DOS CÁLCULOS MANUAIS AOS PROGRAMAS BRASILEIROS, UMA VIAGEM PELO MUNDO DA COMPUTAÇÃO

Autora: Ana Maria Mendez González

 TI 59 com leitor de cartão
A chegada de novidades tecnológicas trouxe um entusiasmo que mobilizou os profissionais individualmente ou em grupos, na busca da adaptação da linguagem tecnológica para uso na astrologia, recurso essencial nessa prática profissional. Alguns detalhes dessa busca são desconhecidos de muitos de nós. 

Aí vão alguns passos desse caminho. Inicialmente faço a descrição sumária do desenvolvimento dessa tecnologia. Depois, relato alguns fatos junto às pessoas envolvidas e por fim, abro espaço para uma reflexão a respeito da tecnologia na prática do profissional astrólogo.

 Vale a pena uma viagem de volta a esse tempo. 

O DESENVOLVIMENTO DAS MÁQUINAS

Calculadora Cássio PB 1000
Um breve relato a respeito de calculadoras, computadores e memória nos colocará a par do contexto internacional, talvez diferente daquele a que os profissionais de astrologia em São Paulo (e no Brasil) tiveram acesso. Havia um descompasso entre o que chegava por aqui em relação ao que acontecia fora do Brasil. 

Na década de 70, as calculadoras passaram de mecânicas a eletrônicas e se popularizaram. A primeira da Casio A14  era de 1957 e pelo meio da década de 60 já havia mais de 50 marcas no mercado. Competição acirrada. 

hp 41com leitor de cartão e impressora
O primeiro computador apareceu na época da segunda guerra. Outras versões indicam mais de um. Controvérsias à parte, há uma cronologia no aparecimento dessa tecnologia no mercado internacional que na verdade não foi vivida dessa forma em nosso território. É difícil estabelecer a ordem pela qual as calculadoras e/ou processadores chegaram a nossos profissionais. Problemas legais em nosso país interferiram nesse processo. As máquinas e processadores mais antigos talvez tenham convivido com os mais modernos. Calculadoras com pouca memória (dado fundamental para o armazenamento de dados por certo tempo) estiveram junto daquelas que contavam com mais espaço para cálculos sofisticados.

A COLETA DE DADOS

ZOD Programa
A tecnologia para uso dos astrólogos em São Paulo apresenta vários capítulos, com muitas pessoas mobilizadas desde as primeiras calculadoras até o uso generalizado dos PCs com programas brasileiros. 

A maioria dos depoimentos colhidos para este artigo não apresenta certeza nas datas, e às vezes, nem indícios delas. Por essa ausência, não podemos afirmar a respeito de muitos fatos que podem ter acontecido ao mesmo tempo em locais diferentes. Mesmo assim, resolvidas algumas dessas situações, chegamos aos programas de astrologia brasileiros adaptados às máquinas mais modernas. Vitória da convivência amiga e de pessoas que generosamente se colocaram no papel de veiculadores de informações e de produtores de recursos.  

Para escrever este artigo, além de acesso a textos escritos e publicados, entrevistei pessoalmente Antônio Facciollo, Zeferino Costa, Rodrigo Arraes, Alexandre Fücher, Maurice Jacoel, José Maldonado Gualda e Roberto Andreoni Leonardi. Por meio das informações recebidas nesses contatos e lidas em material publicado nas mídias, pude fazer uma interpretação do que teria sido aquela época de ouro para os astrólogos que viveram a facilitação de seu trabalho. Além dos citados sabemos que foram ativos nessa área Adônis Saliba, Miguel Etchepare e Raul Varela. Apesar dessa longa lista, talvez ainda haja falta de outros nomes e dados, especialmente se pensarmos que os dados deste artigo se referem apenas a São Paulo. Mesmo assim, sempre que surgirem novos personagens e fatos, eles serão acrescentados. Agradeço colaborações. 

O INÍCIO

Assim como tinha acontecido com as trocas entre os profissionais na época dos cálculos manuais, em que eram partilhados livros técnicos, equações e publicações estrangeiras, também na época do aparecimento da tecnologia, houve a comunicação das novidades. Eram disquetes, rotinas em tiras de papel, equações adaptadas a serem distribuídas por todos. Havia também cópias piratas de programas ou transcrições de versões escritas que chegavam por vias as mais diferentes. Tudo era permitido causa das barreiras para importação.

As condições eram precárias por falta de programas e até de máquinas. Ambos eram caros e raros. Não são incomuns casos de programas presos em alfândega e até de pessoas detidas para interrogatório em fronteiras por portarem equipamentos eletrônicos. Rodrigo Arraes -quem diria! foi detido na fronteira do Paraguai para explicar a presença do aparelho de informática que ele tinha comprado. Nesses casos, os amigos eram acionados. Socorro, que tempos difíceis.

Vega 6 versão 7.0
Mas, antes de tudo houve as calculadoras. Primeiramente, as calculadoras bem simples, com memória restrita o que além de impedir um uso mais amplo também não apresentava exatidão em cálculos mais sofisticados. Junto à utilização do coeficiente de 24 horas repetido, elas facilitavam os cálculos dos planetas. Antonio Facciollo já lidava com elas nos anos de 1973/74. Ele foi ponto de encontro entre alunos e amigos desde essas primeiras calculadoras. Pode-se dizer, sem medo de engano, que por sua influência surgiram os dois programas brasileiros mais vendidos hoje em dia, o Vega de Amauri Magnana e o Pegasus, de Paulo de Tarso Ferreira, ambos seus alunos.

Por volta dos anos 81 e 82, Raul Varela, foi outra figura centralizadora entre astrólogos na busca de tecnologia. Ele conseguiu um programa em sua versão escrita que foi transcrito por Rodrigo Arraes para a Casio e Sony e também para HP41C. Essas versões chegaram a ser repassadas a preços que chegavam a cem dólares cada uma. Tais máquinas foram possivelmente usadas por muitos astrólogos. A linguagem BASIC e DOS podem não fazer nenhum sentido para os astrólogos de hoje em dia, embora tenham sido referência naquela época.

Outra personagem importante foi o professor Zeferino Costa, engenheiro de formação, que trouxe ao Brasil o primeiro personal computer portátil nos moldes da Casio PB 1000, com programação específica para cálculos astrológicos. Comprado nos EUA, a liberação dos documentos demorou. Foram alguns meses até que a máquina pudesse ser retirada da alfândega. Foi um fato muito comemorado por ser inédito e por ter chegado de forma tão excepcional. Um sucesso! Sem exagero, essa máquina tornou o professor Zeferino um astrólogo “pop” da época, tendo sido ele também figura agregadora de astrólogos interessados na tecnologia. (*). Até então, os profissionais não tinham computador em casa porque isso estava fora do alcance financeiro da maioria dos astrólogos. A solução era procurar ajuda em escolas ou amigos para os cálculos. Os desenhos gráficos vieram um pouco depois. 

Orion - C
Em 1984, Miguel Etchepare desenvolve um software a partir de rotina da calculadora da Casio. O software Orion-C em uma versão aprimorada com a possibilidade de desenho do mapa, o que foi divulgado em São Paulo por Valdenir Benedetti em um congresso em setembro de 1985. Grande conquista, foi o primeiro desenho gráfico em papel. Miguel Etchepare elaborou também uma agenda, que recentemente voltou a ser comercializada, possibilitando à pessoa seguir durante um ano todo os trânsitos e progressões no seu próprio mapa de nascimento. 

Por essa época, o serviço de desenho dos mapas também foi efetuado pela Escola Astrocenter, que adquiriu um plotter HP(normalmente utilizado em engenharia). Carlos Alberto Botton desenvolveu um software para desenhar o mapa em cores como se fosse feito à mão. Ele também elaborou as Tábuas de Casas para o Hemisfério Sul, produzidas pelo sistema de computadores que a escola possuía e publicado pela Editora Pensamento (1985). Por sua formação ligada à tecnologia, Botton desenvolveu paralelamente à Astrocenter, a empresa de tecnologia Astrocomp, uma prestadora de serviços, que contava com um sistema de dados e que tinha por objetivo a assessoria nos cálculos para o profissional e relatórios para o público em geral. Além disso, atendia as áreas da bolsa de valores e de seleção de pessoal.

Os irmãos Rodolfo e Alexandre Fücher começaram praticamente juntos na programação. Rodolfo Fücher colaborou com o carioca Danton de Souza produzindo programas para os cartões magnéticos da TI-59, especialmente para as direções primárias. Alexandre continuou essa atividade criando e adaptando programas para o trabalho do professor Waldyr Bonadei Fücher, responsável pela escola Regulus que também prestava serviços de impressão de cálculos para astrólogos. Nessa época foi criada a empresa Regulus Informática Com.Imp. e Exp. para comercializar programas e calculadoras.

Roberto Antonio Leonardi adquire perto de 1981 um computador Apple II e se interessa por tecnologia. Pesquisador, estudioso de livros importados e da linguagem Basic , em 1983 tinha desenvolvido programas para retificação de mapas e outros, como os pontos médios e direções. 

Também José Maldonado Gualda, físico de formação, adaptava as rotinas que circulavam na época para cálculos e montava máquinas. Sua estada na França entre 1975 e janeiro de 1980, possibilitou-lhe o contato com as novidades de tecnologia, podendo ser testemunha de nossas dificuldades nessa área. Mas, o mais importante de sua experiência na área foi a proximidade com Raul Varela com quem trocou inúmeras informações, assim como com Darci Lopes, Milton Maciel e Sérgio Mortari. 

Nesse movimento de produção houve quem não tinha intenção de comercializar como por exemplo Adônis Saliba que desde o início de sua atuação com a astrologia desenvolveu programas para mapas natais, dieta astrológica, pesquisas estatísticas de comportamento psicológico e até para avaliação do movimento de bolsas de valores.

Por outro lado, outros astrólogos, como José Maldonado Gualda e Roberto Antonio Leonardi, produziram de acordo com a demanda de amigos o que acabou por servir de estímulo a sua produção. Foram seus clientes entre outros: Valdenir Benedetti, Zeferino Costa, Antônio Carlos Bola Harres, Marylou Simonsen, Beto Botton, Carlos Fini , Hanna Opitz e até astrólogos da escola Astrociência do Rio de Janeiro. 

O PC, UMA NOVA ERA 

Pegasus 1º Folheto
O mercado pouco a pouco começou a ser qualificado para cumprir as exigências dos profissionais. A produção nessa área cresceu e a comercialização dos produtos expandiu. Enquanto isso, microcomputadores pessoais como o TK2000 com 64K de memória foram popularizados comercialmente. Nova época, época de ouro.

Carlos Fini apresenta os programadores Paulo de Tarso e Amauri Magnana à Escola Regulus, que se tornou ponto de representação dos programas VEGA e PEGASUS desenvolvidos por eles e que começaram a ser comercializados e são atualizados até hoje em dia. Também eram representantes do programa Astroword alemão e dos brasileiros CANOPUS (criado por Floriano Caldeira Possamai e idealizado por Antonio Carlos Harres Bola) e ASTROLOGIA HINDU de Nair Kesavan. Nessa época, José Maldonado era o representante da MATRIX que produzia o programa BLUE STAR. 

Redes de contatos propiciaram relacionamentos e trocas. E talvez os relatos ouvidos são apenas alguns dessa fase de desenvolvimento da tecnologia tão importante na profissionalização dos astrólogos. 

Além da facilitação da prática profissional, o que mais aconteceu desde então? A profissão de astrólogo ganhou um lugar diferenciado perante o público? Talvez sim. Ou não? 

 800pc TI 59 e PC 100A
Já houve o questionamento se essa utilização de tecnologia não seria um erro por parte do profissional, visto que eliminaria certa aura de mistério ao exercício do astrólogo. Tal ideia pode parecer estranha, mas chegou a ser uma questão entre profissionais e público. Hoje em dia, não se imagina a prática do astrólogo sem contar com a ajuda inestimável da tecnologia. Mas, por incrível que pareça, essa passagem de um estágio a outro não foi sem alguns percalços. 


O clima desses pouco mais de vinte anos (1970-1995) trouxe um novo mundo de possibilidades. A tecnologia entrava em nossas vidas em uma transformação rápida e intensa, desde as primeiras calculadoras até os softwares mais avançados de hoje em dia. Pudemos observar que a necessidade de tecnologia foi estímulo e impulso de relacionamentos e produção de conhecimento. 

 A informação de que o programa Blue Star, do sistema operacional DOS, tinha ganhado uma nova versão para Windows, o, Win*Star pode parecer atualmente pré história. 

Antiga Calculadora hp Hewllet Packard 41
Nossa estranheza pode ainda aumentar se pensarmos que as calculadoras iniciais apresentavam as efemérides que podiam variar apenas de 600 a 700 anos, apresentando ainda variações nos cálculos mais sofisticados pela pequena memória. Hoje em dia com o aprimoramento das memórias, a precisão é grande e as efemérides alcançam 30.000 anos. 

Outro mundo, não é verdade? E conhecendo essa história, entendemos também os motivos pelos quais cada um de seus passos representou uma pequena revolução. 

Temos, pois, muito a agradecer a todos que participaram dela e muito a comemorar hoje em dia.  

(*) Esse computador foi apresentado em um evento organizado pela Gaia Escola de Astrologia, a Astrológica em 1999. 

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